O que Butão e Cuba têm em comum?
por Caroline Maya Gramaglio
Já fui a Cuba incontáveis vezes. Afinal, represento uma empresa receptiva por lá, o que me faz (ainda bem) voltar ano após ano. Apesar de fazer o mesmo roteiro, visitar os mesmos lugares e Cuba parecer parada no tempo, a cada passo dado naquela ilha tão nostálgica, saltam sentimentos diversos, muitas perguntas e raras conclusões. Cuba tem dessas coisas.
Fui ao Butão, pela primeira vez em agosto desse ano. Confesso que pousei ressabiada. O pequeno país espreme-se entre as gigantes China e Índia, tal como seu vizinho Nepal, porém se diz diferente, sem soberba. E, logo ao desembarcar, vislumbrei, de fato, muitas diferenças em relação ao seu barulhento vizinho nepalês.
Na Terra do Buda, hoje em dia tudo é ruído, saltam contrastes, tumultos ordenados entre praças imperiais, estupas, palácios e templos em estilo pagoda; em compensação, o Butão, é um calmo país recém-formado, onde reina o silêncio, tudo é ditado pelo passo do budismo.
Logo ao saltar do avião em Paro, lembrei das palavras do meu amigo e querido guia no Nepal, companheiro de tantas viagens por lá: o Butão parece uma grande peça de teatro. É como se chegássemos em um imenso palco com os "cenários" principais (Paro, Punakha e Thimphu). Todos sorriem, vestem as mesmas roupas – kira para elas, gho para eles, e parecem ter um discurso decorado que orbita em torno do famigerado "FIB", o PIB da felicidade, sendo uma espécie de orgulho nacional relacionado a essa conquista.
O guia explicou, em um ótimo inglês, tal conceito e logo me lembrei do excelente filme butanês “A felicidade das pequenas coisas” e como a felicidade no país não está relacionada a bens materiais. Mas, segui desconfiada (até porque me lembro bem do filme e de algumas situações mostradas nele).
Ao ouvir o guia e fazer minhas habituais perguntas, Cuba, sempre vinha a minha mente. Em terras caribenhas, o Partido e o ideal Comunista, acalma corações e para muitos é um alento. O Estado, aos trancos e barrancos, provê: cultura, educação, saúde, subsidia alimentação e moradia. Porém, tal como no Butão, muitos buscam a vida em outros lugares. A subsistência butanesa se limita ao pesado trabalho no campo, com foco na agricultura familiar ou atividades ligadas ao turismo, segunda atividade mais relevante no PIB econômico butanês, perdendo apenas para a exportação de energia elétrica para a Índia.
No Butão, educação e saúde também são gratuitas. Cuba consegue realizar transplantes e cirurgias complexas. Já, no país asiático, faltam recursos para isso. Por isso, quando algum cidadão precisa de uma cirurgia mais complicada, corre-se para os braços do seu principal parceiro, a Índia, tudo pago pelo governo butanês, de acordo com o guia.
No geral, no Butão falta mão de obra qualificada. Até os trabalhadores da construção civil são indianos importados que sobem em andaimes de bambu, tal como em sua terra natal. Cuba, também diante da falta de recursos geral e embargo, é dependente de apoio da China, Rússia e Canadá.
Assim como Cuba, o Butão, não tem muitos recursos. É um país pequeno, montanhoso, com menos de 1 milhão de habitantes, produtor de algumas frutas, grãos e pimenta, sem minérios, petróleo e com algumas indústrias - produz vinho e cerveja, por exemplo, e tem um comércio incipiente. Não é uma ilha, mas a sensação é essa, afinal chegar aqui é, propositalmente, para poucos. Há somente um pequeno aeroporto internacional no país, em Paro, o que contribui para as salgadas tarifas. A taxa ambiental de USD 100 é obrigatória por pessoa e noite. Esse "combo" eleva o Butão ao patamar de um dos mais caros do mundo. Os hotéis de cadeia internacional são oásis de bem-estar e relaxamento que primam pela contemplação e boa gastronomia internacional, mas com traços butaneses (bem apimentados). E tal como em Cuba, o capital para a construção desses hotéis é estrangeiro.
Em Cuba, o governo tudo controla, desde o turismo, os discursos e até a própria história do país. Enquanto na ilha, tremulam bandeiras com foice e martelo, e se venera Che Guevara, Fidel Castro e a Revolução, no Butão é enaltecida a família real. Guias de viagem e butaneses orgulhosos, carregam em seu peito, broches com a figura do rei estampada.
Embora, claro, exista concentração de renda em ambos os países, esse problema não salta aos olhos dos turistas. É como se todos tivessem mais ou menos a mesma coisa e falsamente quase acreditamos que todos têm acesso a mesma "felicidade". Em Cuba, o comunismo e a história revolucionária são panos de fundo nostálgicos de um tempo que dificilmente voltará. Já no Butão, exalam por todos os poros, o pacifismo do budismo e o conformismo do karma que traz paz e bem-estar à alma.
Quem sabe Cuba e o Butão tenham descoberto uma espécie de chave do Éden ou um atalho para o Nirvana - que não funciona para todos, somente para quem se permite entorpecer por algo que não é palpável, mas sim etéreo, embalados pelo forte senso comunitário e laços de solidariedade.
Uma viagem que ficou na memória e no coração